
Vitória-Régia.
(A Flor que Brota da Podridão.)
Benjamin Teixeirapelo espírito Eugênia.
É provável que você imagine que todas as realizações de sua vida foram por água abaixo.
Você chegou aos 30 anos e não logrou concretizar o que tinha certeza estaria plenamente efetivado, bem antes desta faixa etária.
Atingiu os 40 de idade, e, então, a convicção na própria derrota atingiu um nível ainda mais alto de certeza: sua existência se converteu, a seus olhos enevoados de pranto e desânimo, em rotundo fracasso.
Galgou o patamar dos 50 janeiros de vida física, e o que já se lhe afigurava um vaticínio macabro espocou como profecia cumprida… de um pesadelo inenarravelmente infernal…
Ou… é desse modo que você pensa ter ocorrido.
Não caia, prezado amigo, na cilada das utopias juvenis desfeitas. É natural que assim seja. Amadurecemos para modificar projetos de vida, aprimorar propósitos ou mesmo refazer tarefas aparentemente conclusas, a partir da linha zero.
É o padrão, e não a exceção, que se frustre a expectativa dos verdes anos, quanto ao ponto do futuro em que as conquistas fundamentais na vida afetiva, profissional e espiritual estariam definitivamente realizadas.Por outro lado, você viu, no exato momento em que estabeleceu a determinação de superar em si próprio determinada fraqueza, que uma aluvião de dificuldades ergueu-se contra sua iniciativa embrionária de fazer o melhor. Isso também, que parece um efeito madrasto de auto-sabotagem, constitui, entrementes, um mecanismo muito natural, presente no psiquismo humano – o de manter a homeostase do padrão de consciência em que se encontra, ainda que em meio a processos muito óbvios e irreversíveis de transformação para melhor. Ou seja: ainda quando nos achamos submetidos a períodos de significativa evolução – como uma força “imanente à transcendência” –, existem outros vetores da psique trabalhando em sentido contrário (porque com funções diversas), na manutenção do “status quo”. Não há nada de venal, vicioso ou vergonhoso nesse processo. Aceite-o: compõe o aprendizado. Não por acaso, os professores de caligrafia aplicam longos exercícios a seus jovens estudantes, no sentido de estes desenvolverem coordenação motora, num piso mínimo, para que a escrita fluente possa surgir, com os anos.
Existe, por analogia, uma escrita da alma, que, para ser levada a cabo, não dispensa os recursos do tempo, paciência, disciplina e muita, muita auto-indulgência, a fim de que as edificações da véspera não se esboroem no dia seguinte, por total incapacidade do aprendiz em esperar o resulto cumulativo de seus esforços, assim como o pomicultor precisa aguardar, por longos períodos, que a semente plantada venha a germinar na terra previamente adubada e irrigada, em vez de retirá-la do solo a toda hora, à guisa de checar os avanços havidos (*).
Você não ficou milionário, não se casou com a pessoa dos seus sonhos, não se encarapitou nos galarins da fama, ou não escalou a montanha do poder público? Bem… o que temos a lhe dizer, se isso o contrista, é que você está de parabéns! Fugiu à loucura do excessivo destaque, que destrona a criatura da oportunidade do êxtase e da graça, exposta demais a responsabilidades, solicitações justas e pressões descabidas, por toda parte, a todo tempo…
Os anos vão chegando e seu corpo não funciona mais da mesma forma. Os músculos parecem rijos e teimosos, ainda que você se exercite diariamente. A visão se embota, a audição fica menos apurada, o raciocínio menos veloz. Mas, em contrapartida, você sabe exatamente para onde vai; e, se lhe falta agilidade nas pernas, dispõe de meios de transporte para se deslocar. Além disso, pode discernir bem onde colocar a verdadeira eficiência, força e celeridade: na capacidade de dissecar eventos e perceber a verdadeira intenção das pessoas, em torno de seus passos ou com quem interaja, mesmo que indiretamente. Já sabe, outrossim, agora, para onde focar seu aparelho ótico, em função de seus interesses e valores maiores (que lhe propiciem genuína felicidade), como tem uma clara noção de significado e finalidade de sua existência. Seu sistema auditivo pode não ser mais o que gozava na adolescência, antes de os decibéis estonteantes dos trios elétricos e das noitadas de fins de semana carcomerem os neurônios de seu ouvido interno; todavia, você ostenta agora uma aptidão excepcional para intuir quem fala ou não a verdade, e filtra, com qualidade ímpar e sem pudores, os interlocutores com quem deseja interagir, despachando, elegantemente, aqueles que se candidatam a invasores, sedutores e bem-falantes, tão-só vampiros, sofisticados, de sua felicidade e paz de consciência.
Assim, se você está à beira do colapso nervoso, em vez de acelerar o passo, retarde-o. É melhor viajar mais devagar, para contemplar as belezas que marginam o trajeto existencial, do que estugar o ritmo do jornadear, em direção a certas hipotéticas metas, apenas, talvez, para descobrir, tarde demais, que tomou a trilha errada a percorrer, por não haver prestado a devida atenção aos sinais pelo caminho.
Respire fundo agora, camarada. E deixe a Luz de Deus entrar em seu coração. No universo do Criador, Todo-Amor, só há espaço para ternura, abundância e alegria, ainda que em meio às maiores tragédias, porque é do lodaçal pútrido do charco que brota para o mundo, imponente, perfumada e colorida, na riqueza multifacetada de seus significados simbólicos, a magnífica vitória-régia…
Seus sonhos apodreceram, suas fantasias d’outro tempo se esfacelaram? Reaproveite toda esta matéria “orgânica” putrefacta, na reciclagem dos potenciais criativos da psique, e avance, destarte, no espírito da perene reconstrução de si mesmo, rumo ao Grande Amanhã, sempre prenhe de maravilhosas surpresas, para aqueles que sabem trabalhar, esperar, servir e amar, a despeito de todas as tempestades contrárias a seus ideais e princípios mais elevados.
(Texto recebido em 4 de março de 2009.)